domingo, 15 de maio de 2016

Dessincronia Auditiva
(palavras-chave relacionadas:  neuropatia auditiva, recrutamento auditivo, hiperacusia, fonofobia, misofonia)

Ambientes coletivos são uma miscelânea de ruídos.  Conversas paralelas, música ambiente, TV ligada, tilintar de copos, choro, latido...  Os ruídos de fundo geram uma "competição auditiva", embaraçando a discriminação vocal.  Enquanto os outros se divertem tanto, por quê eu não entendo meu interlocutor e acabo isolado?

O resultado é avassalador, porque me torno "antissocial", e o preço é alto  -  em mal-entendidos, em gafes embaraçosas, em críticas, em apelidos pejorativos, em afastamento dos amigos valiosos  e até mesmo em família, que não alcança a natureza e dimensão da deficiência  (mesmo minha irmã fonoaudióloga, afetuosa em me acudir, é cautelosa no empenho bem intencionado para interpretar o fenômeno).


A angústia é dupla, porque, ao mesmo tempo em que o portador não entende o que os outros dizem, estes interpretam o fenômeno como capricho, descaso ou fantasia !

O exemplo mais extremo e frustrante (que me faz sentir "culpado")  está na minha própria neta.  Por mais amor que eu tenha por ela, não conseguimos nos relacionar.  A inquietude própria das crianças saudáveis, com a entusiástica tagarelice ininterrupta em voz tilintante, simplesmente me trava, impede interação  e até bloqueia raciocínio aproveitável!

Sinto que o fenômeno é ao mesmo tempo causa e consequência das minhas mazelas psíquicas  (Asperger-like  -  v.  www.asperger-x.blogspot.com ).

Não se trata de perda auditiva apreciável.  Não é surdez!  Talvez pelo contrário, ouço demais  -  os ruídos indesejadosOs ruídos circundantes se sobrepõem à fala do meu interlocutor, tornando-a indistinguível dos demais.  Resulta um recrutamento aflitivo de sons, um clamor misto de tonitruâncias indistintas e atordoantes, não raro acompanhadas de vertigens, zumbidos e ataxia.


Me é inesquecível a observação  (à primeira vista ilógica)  de um idoso com quem eu conversava:   - Por favor, não grite... Eu sou surdo !  (característica do RECRUTAMENTO AUDITIVO).

Exames otorrinolaringológicos e audiometrias não revelam mais do que pequenos desvios da média, e levam a becos sem saída.  Nenhuma explicação plausível ou proposta terapêutica promissora...

Desde criança me sinto um ET pela falha social grave, porque excludente.  Hoje médico  (oftalmologista), a cada episódio traumático volto à literatura médica  em busca de explicações e possíveis soluções.  Finalmente me deparei com artigo científico que parece ser um fio-da-meada.  Aos portadores que se interessem:

Revista Brasileira de Otorrinolaringologia, vol.67, no.5, São Paulo Set. 2001,   publicado no link
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-72992001000500006
(dos departamentos de Otorrinolaringologia e Audiometria da Santa Casa de São Paulo)



Espiões e detetives escondem um mini-gravador  (em qualquer lugar discreto)  para, secretamente, gravar conversações.  Estes 'gravadores-espiões' são ativados pela voz, isto é, ficam desligados até que captem a voz humana, quando então se ligam automaticamente e iniciam a gravação.  No entanto, o início da gravação não é instantâneo.  Do instante em que o gravador 'percebe' a voz   até que comece a gravar   há um breve intervalo  -  próximo de 1 segundo, tempo suficiente para que se percam as primeiras palavras da frase.  A este intervalo chamamos 'delay'.  Quando alguém dirige a palavra a um portador de dessincronia, também este se comporta como o gravador automático, transcorrendo um delay  até que o portador comece a registrar o que lhe dizem.  Por este motivo, a melhor maneira de conversar com um portador é iniciando as frases com o nome dele:  "Marcelo, apague a luz"   é melhor entendido do que simplesmente "Apague a luz"  (é mais ou menos como se a atenção do portador 'pegasse no tranco').
 
Resumindo a explicação racional e o resultado da dessincronia auditiva:  Cada ruído produz no ouvido um delay (latência, suspensão, cessação) de fração de segundo, suficiente pra que se perca palavras, comprometendo assiduamente o teor da conversa toda!  É como se o ouvido fosse desligado da tomada por frações de segundo, tão frequentes e sucessivas quanto os ruídos circundantes que tenham "aquele" poder  (timbre? frequência? volume?).  Nestas condições adversas, qualquer diálogo se transforma numa ansiedade insuspeitadamente desgastante, a ponto de me forçar defensivamente a abreviar contatos sociais.

... e tudo isto agravado quando o interlocutor tem timbre ou entonação de voz que desfavoreça o entendimento (ou que fale rápido, "baixo" ou mesmo "alto" demais).

Aspecto essencial à compreensão da dessincronia auditiva é que o fenômeno é involuntário e incontrolável.  Ficar mais "ligado" na conversa não melhora o desempenho, e só agrava a ansiedade.  É ciclo vicioso,  autoalimentado.

O artigo do link acima confirma a literatura médico-científica internacional no reconhecimento da entidade nosológica  (v. as 17 referências bibliográficas ao fim do trabalho), evidenciando que, ainda que incomum (e persistentemente confundido com "surdez"), não sou caso isolado.

Aos portadores da mesma anomalia angustiante  proponho fazer contato para troca de informações que possam ser úteis a todos:   vic.versa@gmail.com


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vic.versa@gmail.com  -  Blogs  do mesmo autor:
 
www.fe-x-ciencia.blogspot.com 
www.labradorX.blogspot.com

www.acucar-e-violencia.blogspot.com
www.asperger-x.blogspot.com 
www.dessincronia-auditiva.blogspot.com
www.sete-bilhoes.blogspot.com

www.sinastrias.blogspot.com

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